Como é morar sozinho no exterior
Texto originalmente escrito em 27/08/2018
Ai que frio na barriga!
Você já foi embora, saiu da casa dos seus pais para desbravar o mundo, aprender uma língua e ainda vai precisar se alimentar, lavar a própria roupa, fazer faxina…. É amigo, senta ai e relaxa que hoje eu vou contar alguns perrengues do intercâmbio hahahahaha
Começando pela Irlanda, cheguei no país com um mês de acomodação paga com pensão completa (café da manhã, um lanche de almoço e janta) na cidade de Malahide. Minha amiga e eu fomos muito abençoadas em pegar uma casa que a host mother até nossa roupa lavava, trocava roupa de cama, cozinhava minha sobremesa favorita, nos incentivava a irmos para a balada com as filhas dela, era uma mãezona.
Aí que passou esse mês e nós precisamos achar nosso próprio canto. Começamos a bater nas imobiliárias procurando algo perto da escola e bingo, achamos um apartamento em uma vilazinha a meia quadra da escola com um preço pagável. É legal você saber que a maioria dos apartamentos para locar via imobiliária tem um landlord, uma pessoa responsável pelo imóvel. Esses apartamentos são mobiliados, já tem utensílios básicos de cozinha, aquecedor, pronto para morar! É sua responsa pagar o aluguel e instalar internet, sinal de tv e tudo mais que uma casa dá direito. Se liga que essa é a primeira prova de fogo, conseguir agendar essas visitas de técnicos em inglês e recebe-los em uma comunicação mínima para ter consciência do que está sendo instalado hahahahaha.
Demos sorte, muita sorte! Dividimos nossa primeira casa com outros dois brasileiros, uma gaúcha fofa, Cris e um outro paulista gente fina, Vitor. Dividia o quarto com a minha amiga de faculdade que viajou comigo, eu que desde os meus 10 anos de idade já tinha meu próprio quarto, e aos poucos nós fomos nos acostumando com a presença um do outro naquela família forçada recém-criada.
Minhas lembranças dessa fase são muito boas, dividíamos a limpeza em uma escala semanal, cada um tinha seu espaço na prateleira do minibar, sim, um minibar para quatro pessoas e o mais importante, nos apoiávamos nos momentos mais foda de saudade de casa. Fizemos open house, hospedamos amigos, família, valeu muito a experiência.
06 meses de curso concluído, resolvi me aventurar em Dublin e arrumar outro lugar para morar, dessa vez sem a companhia da minha amiga. Era outro ap de 4 brasileiras e uma delas estava voltando ao Brasil. A maioria das vezes é assim, você acaba entrando na vaga da cama de alguém. Dá para morar sozinho claro, dá para ter o seu próprio quarto, o problema é pagar por isso ($$$$) e na época era o que dava para pagar, viver em república.
Essa segunda casa vivi bem na maior parte do tempo e na outra parte também entendi qual era o meu limite. Nem todo mundo é organizado igual eu, virginiana louca, nem todo mundo quer lavar a louça ou limpar o banheiro no horário que eu achava certo, e isso geraram discussões, dor de cabeça e até polícia batendo na porta durante uma Festa Junina inocente. Mas tudo é aprendizado né! Quando o bicho pegava na nossa rotina de trabalho, nos encontrávamos na sala, trocávamos esmaltes e dividíamos uma panela de brigadeiro para dar risada ou chorar tudo que sentíamos.
Já no segundo ano de Irlanda passei por um terceiro apartamento no fim do meu intercâmbio. Esse eu ainda tinha o luxo de uma cama de casal mas também dividia quarto e nessa época eu já não estava muito afim de fazer amizade ou cuidar da divisão das contas, só pagava. Posso dizer que nessa casa eu já estava bem mais calada com saudade de casa.
Não tem como falar de república sem falar das festas que rolavam na casa dos amigos. Porque estudante normalmente não tinha verba para tomar pints na rua no começo e assim os fins de semana eram sempre criativos e organizados na casa de algum brazuca. Datas comemorativas? Tinha festa! Acordava com preguiça de cozinhar? Virava churrasco. Galera jovem, aquele grupo de amigos para todos os momentos, essa parte é só saudades!!!
05 anos se passaram no Brasil e chegou o intercâmbio na Argentina no ano passado, 2017. Eu com a melhor referência de host mother da vida em Malahide, fiquei desta vez 15 dias na casa de uma pessoa indicada pela escola de espanhol, com um quarto individual e onde eu podia cozinhar. (Com o tempo você vai aprendendo que essas hospedagens são caríssimas e que não dá para ficar muito tempo, você precisa achar o seu canto mais rápido)
Não consigo achar um adjetivo legal para essa experiência. A dona da casa tinha ótimas referências, dizia adorar receber intercambistas, mas olha, na prática não rolou. Fiquei em um lugar que não me sentia em casa em momento algum, ela estava sempre atrás organizando o que eu já tinha organizado, reclamava de tudo e nem olhava na minha cara, onde na ficha constava ótima interação com os hospedados. Não sei se a gota d agua foi quando ela começou a reclamar do cheiro da minha comida – e eu estava dourando uma cebola para fazer arroz – ou o dia que comprei uma pizza, ofereci e ela que também estava comendo uma pizza sequer me chamou para sentar à mesa de jantar. Eu fui e comi sozinha chorando no quarto de raiva.
Enfim, nem tudo são flores né. Daquele dia para frente descolei um Airbnb no final do contrato desta casa e me mudei para morar finalmente sozinha. Não só sozinha, mas em um apartamento de dois andares, com sala, mesa de jantar no andar debaixo e uma cama e armário no andar de cima. Um tipo de hospedagem bem comum por lá, mucho louca. E posso falar? Nunca me senti tão sozinha na vida!
Tinha dias que eu estava de folga do trabalho e estava chovendo, eu passava o dia nesse espaço, não cruzava ninguém e não falava com ninguém o dia todo, imagina. Ah e na casa não tinha nenhuma luz natural, era tudo na cor laranja! Eu até tinha uma colega no ap ao lado, os donos do imóvel moravam em um anexo mas nossos horários nunca batiam, então a maior parte do tempo, era beeem silencioso e vazio. Bem de vez em quando agitava um filme ou uma empanada para preencher esse vazio com os amigos da escola e também recebi mamys e uma amiga do Brasil por lá.
Estou trazendo esse relato para que saiba que existem pontos positivos e negativos, mas só vivendo para entender. Essa experiência de se virar para quem morou com os pais a vida toda é pesada e você cresce na porrada. Com o tempo você se acostuma e as coisas ficam mais fáceis, mas até chegar esse momento, é difícil acreditar. É importante você respeitar os seus limites e tão quão importante, o seu espaço e o dos outros. Você irá cruzar amigos para a vida, e outros se ver na rua hoje em dia não vai fazer muita questão. Tem briga, tem harmonia, tem festa, tem faxina, tem treta por colher suja na pia e tem brigadeiro no fim do dia e amiga te ajudando a embrulhar as lembrancinhas que vai levar pra casa.
Tem gente que no intercâmbio opta por morar com pessoas de outras nacionalidades, acho válido para praticar a língua, mas até hoje, na minha vida acabou não rolando. A chance que tive de dividir casa com um irlandês por um mês quase surtei com a sujeira e a folga do cidadão. Preferia trabalhar e falar a língua o dia todo e voltar para casa ouvindo minha língua nativa, onde eu podia descansar minha cabeça, mas isso vai de cada um.
Espero que tenha gostado, e qualquer dúvida, sugestão ou comentário, só deixar uma mensagem aqui embaixo ok?