É possível trabalhar durante o intercâmbio?
Texto originalmente escrito em 19/04/2018
Aí você fechou seu intercâmbio, ta fazendo as malas, guardou um dinheirinho e começa a se perguntar, será que eu vou conseguir trabalhar lá?
O ideal é você fazer essa pergunta antes mesmo de fechar o destino que pretende morar, nem todos os países deixam você trabalhar legalmente, e se você quer construir uma carreira ou mesmo juntar uma grana e curtir um pouco o destino, ou não voltar para casa de bolso vazio, é algo importante a se ponderar. Então vim aqui contar as minhas experiências de trabalho em Dublin e em Buenos Aires.
Começando por Dublin, eu podia trabalhar 20 horas enquanto estivesse estudando e 40 horas nos meus seis meses de férias (lembrando que isso foi em 2011 e 2012 e eu fui com um visto de estudante em um curso de línguas). É importante você saber que as regras por lá mudaram, e agora tem apenas dois períodos do ano que você pode trabalhar 40 horas, basicamente no verão, e o restante, legalmente são apenas 20 horas.
Eu cheguei em Dublin com um inglês bem mais ou menos, então meu primeiro trabalho para o horror do meu pai foi vender jornal na rua hahahahahaha. Cara, foi uma experiência interessante, e eu ganhava 50% do valor do jornal que na época custava 1 euro o exemplar. Eram longos dias no farol, com aquela roupa laranja fosforescente, ouvindo Saulo no fone de ouvido e sendo feliz conversando poucas palavras com os motoristas.
Claaaro que isso não pagava as minhas contas, então com o inglês melhorando tentei ser baby-sitter. Durou exatos 5 dias hahahahahaha. Ahh gente, não dá, cuidar de criança não é pra mim MESMO, imagina a criança dos outros, 3, sem educação, em uma casa gigante com um lago e pais ausentes? Lógico que não dá pra julgar a história de vida deles, mas era assim que eu me sentia. Passava o dia rezando para eles não se matarem e os pais chegarem logo e em cinco dias eu saí correndo, valeu, adeus.
Resolvi fazer algo um pouco mais a minha cara e fui ser garçonete em um café. Esse trabalho foi bem legal, bem corrido e só não durou mais porque havia um grupo de poloneses lá que já sabiam da fama dos brasileiros de trabalhar pesado e eles se uniram basicamente para me fazer ser mandada embora. Juro que não foi mania de perseguição, os caras tinham medo mesmo de perder o trabalho e conseguiram o que queriam, parti.
Aí já batendo quase um ano de intercâmbio e alguns cafés depois, consegui um trabalho muito mara, acho que eu já estava acostumada a cidade, ao sotaque e muito mais confiante para uma entrevista de trabalho. Entrei em uma empresa de cobre folga, chamada Noel Recruiment. Basicamente cada semana eu trabalhava em um lugar novo, como barista (fazendo café), catering (fazendo sanduíche, servindo café da manhã), cashier (caixa de lanchonete de empresa), kitchen porter (esse era punk, lavando prato), até que achei minha vocação rs.
Comecei a trabalhar fixa em um centro de ajuda do governo a dependentes químicos e sem teto de Dublin. Basicamente um reduto de nackers. Imagina o meu pânico em trabalhar com as pessoas que todo intercambista tinha medo pela fama de que eles não gostavam de nós e podiam ser violentos. Brincadeira a parte, foi uma experiência muito enriquecedora. Eles eram super bem tratados com assistentes sociais, psicólogos e tinham um local para descansar, dormir, ver TV e comer, onde entrava minha parte, trabalhando na cantina e servindo o café da manhã e almoço todo dia. Fiz amigos, não demorou um dia para eles descobrirem que eu era brasileira e cantar as músicas que conheciam, falar do Senna, do Pelé e de qualquer outro assunto que eles soubessem do Brasil. Saí de coração partido desse trabalho quando fui substituída por voluntários.
BALI
Para fechar minha vida assalariada em Dublin, os últimos seis meses foram na cozinha do Google. Eu era tipo a assistente do assistente do assistente (leia-se + alguns assistentes) do chef rsrs. Também cuidava da máquina de suco de laranja, das flores de decoração, de cortar alface ou caixas de pimentão por dia, de temperar o frango, da máquina de sorvete ou do porridge diário de cada dia (um mingau estranho que eles comiam). Era um trabalho bem legal das 07h as 15h, eu ia dormindo no ônibus e voltava para casa pedalando. Dias felizes.
05 anos depois, mais madura, lá fui eu aprender espanhol em Buenos Aires e buscar um trabalho. Foi relativamente fácil encontrar, morava em San Telmo, hoteleira, rodeada de hostels. Também foi um subemprego porque não tinha o visto que me permitia trabalhar legalmente em grandes redes hoteleiras, mas saí mandando meu currículo loucamente por e-mail e um hostel na esquina de casa, de donos argentinos, me chamou para trabalhar. Parte porque eu era brasileira e eles tinham muitos hóspedes do Brasil e parte porque eu já falava inglês e meu espanhol era suficiente para a vaga.
No começo minha função era conversar com os hóspedes, e porque não, beber com eles e cuidar do enxoval e manter tudo funcionando em perfeita ordem. Com um mês, fui promovida a recepcionista do turno da manhã com a responsa do check-in, check out, café da manhã, organizar a limpeza dos quartos, ver quem podia ou não entrar no hostel, vender os pacotes de tango, situar o hóspede como chegar na Feira de San Telmo, atualizar a disponibilidade nas plataformas de vendas, responder as redes sociais e tudo mais que um hostel bacana poderia incluir. Não poderia ter encontrado experiência melhor para os meus meses na Argentina e de brinde voltei bombando no meu inglês e espanhol.
Claro que todo esse relato são de subempregos. Para quem fez faculdade e cresceu ouvindo que tinha que batalhar por cargos de liderança, pode se sentir um pouco desconfortável em ter que lavar pratos ou lavar toalhas de hóspedes, mas se você tá indo fazer um intercâmbio você precisa entender que tudo é aprendizado e vai te transformar no ser humaninho incrível que você tem potencial de se tornar. Então deixa esse orgulho na mala e se joga, no mínimo será compensador ver até onde você pode chegar em um País que não é o seu e te recebeu de portas abertas.